domingo, 7 de outubro de 2007

O google sabe quem voce é

Artigo
O Google sabe quem você é
Publicada em 04/10/2007 às 15h19mPor Conrado Adolpho
Na época em que Saramago escreveu o seu "Memorial do convento", ele não poderia ter imaginado de que forma sua personagem mais intrigante - Blimunda, profunda conhecedora da alma humana e de suas vontades - viria a tornar-se realidade. "Sete-luas", como fora batizada no romance em que lia as "pessoas por dentro", hoje receberia um estranho nome para a época do reinado - Google.
O Google hoje e sua rede de sites como Orkut, YouTube, Google Maps, Google Docs e muitos outros, concentra em seus bancos de dados incontáveis bytes de informações de usuários de todo o mundo e com isso acumula um conhecimento sobre a alma humana e seus desejos de maneira mais precisa e abrangente do que qualquer escritor jamais pudera conceber, por mais profícua que fosse sua imaginação.
Ele sabe onde você mora, do que você gosta, os e-mails que troca com seus amigos e os seus desejos mais recônditos - basta para isso fazer uma busca. Nesse momento, uma pergunta pode saltar-lhe à mente: "Ei, e a minha privacidade?" Dentre as várias definições para o termo "privacidade", encontrei uma que mais me fez sentido: "privacidade é o poder de revelar-se seletivamente para o mundo". O poderio do Google já põe medo em muita gente e levanta o tema de maneira contundente. Pouca gente quer ver circulando pela web seus números de telefone, endereços, CPF e outros dados até então restritos à esfera pessoal.
Recentemente, em Estrasburgo, num fórum sobre internet realizado pelas Nações Unidas, o chefe de privacidade do Google, Peter Fleischer, afirmou que mais de 70% dos países não têm leis sobre privacidade e regras claras de proteção de dados. A questão da privacidade é antiga e não começou com a era digital. Há muito que telemarketing e malas-diretas invadem o espaço particular de muita gente, porém, devemos dissecá-la melhor para que consigamos jogar um pouco de luz sobre o tema. Uma boa parte da falta de privacidade pela qual passamos é causada por nós mesmos.
Há quem diga que nunca nos revelamos por inteiro a uma só pessoa. É a soma das impressões que todos os que nos cercam têm a nosso respeito que forma a imagem do que realmente somos perante o mundo. Seguindo por essa linha, somemos as comunidades da qual participamos no Orkut, os vídeos que vemos e postamos no YouTube, os e-mails que trocamos no Gmail, os compromissos que marcamos no Google Calendar, nossas discussões no Google Groups, nossos endereços marcados no My Maps, do Google Maps, e todas as nossas buscas mais secretas na tela minimalista do Google. Tenha a certeza de que isso já será o bastante para que a soma de informações de que o Google dispõe a seu respeito faça com que essas seis letrinhas quase pueris lhe conheçam melhor do que a sua própria mãe. E tudo isso por sua livre e espontânea vontade.
Se privacidade é ser seletivo a respeito do que revelamos ao mundo, não podemos dizer que tal poder não está sendo plenamente exercido por cada um de nós. Parece, contudo, que não queremos estar tão resguardados assim, afinal. Seja o que for que você procure no site do mecanismo de busca mais acessado do mundo, usufruindo da aparente privacidade do seu notebook ou do fundo anônimo e obscuro de uma lan house, seu desejo - expresso na forma de uma simples palavra - estará registrado nos bits desse oráculo pós-moderno.
Há tempos que a tecnologia vem evoluindo a passos mais largos do que a ética humana e esse novo mundo digital traz questões ainda não estudadas a fundo. A questão da privacidade, por exemplo, cruza um tênue limiar entre o certo e o errado, entre o bem e o mau, e nesse assunto ainda estamos todos em uma terra de cegos. O Google e seus experimentos pela web permitiram que todos nós também virássemos Blimundas e enxergássemos "dentro das pessoas". Resta saber se, ao termos nos dado conta de tal poder, vamos realmente seguir o lema do Google - "Não seja mau" -, por mais confuso que isso possa parecer.
Conrado Adolpho é diretor da Publiweb

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