quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Criatividade e Poesia na Música. Com boa vontade e leitura dá pra mudar



Entre meus gostos musicais, além de uma refinada MPB, há um espaço de destaque para a autêntica música de raiz brasileira, que também conhecemos como “música caipira”. Entre os seus mais proeminentes representantes, holofotes direcionados para Rolando Boldrim, Almir Sater e Renato Teixeira. E lendo uma revista de bordo que me deliciei com a entrevista de Renato Teixeira contando um pouco mais de sua vida, experiências, composições e sua visão da atual realidade da música brasileira.
Entre tantas respostas interessantes, pincei duas partes para servir como mote do nosso texto de hoje. A entrevista foi concedida ao jornalista Bruno Hoffman.
BH – O que te move a compor?
Como dizia antes, eu faço canção sobre pessoas. O que me impressiona quando vou para Aparecida do Norte, por exemplo, não são as igrejas, a estética, a parte arquitetônica. É a pureza dos romeiros. Se você olha nos olhos dos romeiros, é possível enxergar a alma. Romaria, talvez meu maior sucesso, não é uma canção para a santa, é uma canção para o romeiro. E se tornou uma espécie de canção manifesto, como se eu dissesse: “A música caipira agora é assim, esse é o jeito mais viável”. É uma música caipira que poderia ser gravada pela Elis Regina, por exemplo. Foi um antropofagismo. Pegar a música caipira, pegar a MPB, misturar e extrair o que é importante, respeitando a ética e os valores caipiras.
BH – Como a música surgiu, em que você se inspirou?
Na época em que compus, lá por 1973, eu estava muito ligado em poesia concreta. Estava apaixonado pela obra de Décio Pignatari, Augusto de Campos, todo aquele pessoal que desenhava com palavras. E comecei a compor a canção para usar um pouco a experiência que estava tendo. É de sonho e de pó/O destino de um só … Nunca imaginei que faria sucesso, justamente pela carga intelectual colocada, pela sofisticação. Embora ache que poesia concreta seja a mais popular, não é fácil entender. Uma coisa engraçada que, quando terminei a letra, não sabia o que colocar após o Como não sei rezar/Só queria mostrar/Meu olhar … E o que mais? Pensei em tudo para terminar a música: meu sentir, meu sofrer, meu pensar. E não vinham as palavras certas. Durante uns quatro meses cantei a música sem o fim. Até que percebi que o melhor era repetir o “meu olhar”: Meu olhar, meu olhar, meu olhar … No mesmo dia que terminei a música, um amigo perguntou se eu tinha algo novo, e toquei Romaria. Quando terminei, ele estava completamente aos prantos, me beijou a testa e perguntou: “Você tem noção do que fez?”. Eu não tinha. A música ficou uns três anos na gaveta, até Elis gravar. Foi sucesso instantâneo. Um dia andava pela rua e ouvi alguém assobiar Romaria. Foi nessa hora que saquei que a música havia se tornado um sucesso.
Sinceramente? Relendo e digitando essas respostas, me vem à mente uma pergunta simples: preciso fazer mais algum comentário a respeito? Verdadeiramente creio que não preciso falar mais nada! É tão clara a mensagem de Renato Teixeira sobre a sua relação com a palavra, com a música, com o ser humano, que me constranjo de falar mais qualquer coisa!

Mas vou resistir ao meu bom senso e vou tentar tecer ainda mais alguns comentários sobre o que acabamos de conferir. O Observatório Cristão caracteriza-se por trazer um olhar diferenciado sobre os acontecimentos à nossa volta. E aproveitando essa entrevista, gostaria de comentar sobre a qualidade das composições no meio gospel. Já falei sobre esse mesmo tema pelo menos umas 3 a 4 outras vezes aqui mesmo no blog, mas creio que não é demais voltarmos a este assunto, tentando trazer mais algum aspecto novo.
Se você é compositor de música gospel, acho que você deveria perguntar-se também sobre o que te move a compor. Como todos sabem, trabalho com música há muitos e muitos anos, então posso sentir-me à vontade para fazer esse tipo de comentário: grande parte dos compositores do cenário gospel não sabe o motivo que os leva a compor! Sim, é isso mesmo! E quando falo de motivo para compor, digo um motivo nobre, ideal, não simplesmente proporcionar o sustento de sua família ou alimentar seu próprio ego ao ver uma cantora TOP gravando sua canção.
Renato Teixeira afirma que o motivo dele compor são as pessoas. Será que em nosso caso também não devesse ser este o motivo principal? Sim, afinal quando falamos de Deus e de seu amor, suas misericórdias e todas as promessas dEle, estamos falando para o ser humano, ou seja, tratamos sempre de pessoas. Agora, porque ainda somos tão restritos e restritivos no espectro de assuntos quando se trata de composição no mundo gospel? Confesso que existem certas canções que já na primeira estrofe, tenho plena noção por onde o compositor irá seguir. A música gospel brasileira precisa ser sacudida por um vento de criatividade!  Mas para isso, os compositores precisam buscar novas fontes. Ressalte-se que não são novas fontes de inspiração, pois a Bíblia e a mensagem cristã são fontes inesgotáveis de temas, mas quando digo “novas fontes” quero dizer caminhos criativos da palavra. O exercício de composição deve ser encarado como uma atividade em busca da perfeição e não da repetição de chavões ou simples rimas.
Lidar com a palavra é muito mais do encaixá-la na métrica de uma melodia. É uma briga constante na busca da sinergia perfeita entre forma e conceito. Constantemente me assusto com textos e mensagens publicadas na web. Não sou um purista da língua de Camões, mas confesso que acho inadmissível uma pessoa escrever de forma errada. Sei que o Brasil é um país com terríveis falhas no processo educacional, mas também sei que hoje em dia há inúmeras oportunidades para o crescimento intelectual e aperfeiçoamento. Quando vejo um compositor consagrado no meio gospel escrevendo como se fosse um dialeto zulu, realmente entro em pânico. Afinal, se o compositor vive da palavra, como pode desconhecer justamente o seu instrumento básico de trabalho? Se fosse fazer uma pesquisa com alguns dos principais compositores do meio gospel sobre hábitos de leitura, não me arrisco a dizer que muitos diriam que não leram um único livro nos últimos anos.
Só para ilustrar a importância da leitura para o processo de composição, recordo-me que o Pr. Marcus Gregório praticamente obrigava os integrantes do Ministério Toque no Altar a lerem exaustivamente diversos livros por ano. Não por coincidência, algumas das mais belas e criativas canções do cenário gospel nos últimos anos surgiram da lavra de gente como Luiz Arcanjo, Ronald Fonseca e Davi Sacer.
Voltando à entrevista, na segunda resposta, o que me chamou muito a atenção foi a reação do amigo de Renato Teixeira ao ouvir Romaria. Ele relata: “Quando terminei, ele estava completamente aos prantos, me beijou a testa e perguntou: Você tem noção do que fez?”  Pois bem, esse tipo de reação tenho até hoje quando ouço essa canção, mesmo se tratando de uma referência à fé de um romeiro em relação à santa. Isso independe! O que me emociona é perceber todo o cenário que a música descreve. É tão claro e real, que é impossível ouvir essa canção sem emocionar-me. E é justamente essa emoção que sinto falta em grande parte das músicas que ouço nas rádios de programação evangélica pelo país.
Não quero ser o Pedro de Lara do gospel (aquele dos jurados do Chacrinha e depois do Silvio Santos, os mais velhos lembrarão dele) sempre reclamando de tudo, mas também não dá para ser a Alice no País das Maravilhas achando que tudo que estamos produzindo no meio gospel é divino, maravilhoso! Longe disso! Verdadeiramente sinto falta de criatividade e de poesia na música gospel produzida em nosso país! E mais uma vez, repito e reafirmo, poesia e criatividade são adquiridos através de leitura e experiência de vida. Diferente disso, teremos sempre letras pobres, conceitos vazios, referências repetidas e mais do mesmo!
Por que sempre que queremos destacar algum compositor evangélico “poético” nos referimos à Janires, João Alexandre, Sérgio Lopes e mais uns 5 ou 6 compositores somente? Precisamos de mais poesia. Precisamos de compositores mais criativos. Precisamos de profissionais ousados entre as gravadoras para identificar qualidade no diferente. Precisamos de programadores de rádios evangélicas dispostos a sair do padrão. Precisamos de poesia. Precisamos de criatividade. Precisamos focar em pessoas. Precisamos de ideais renovados. Precisamos de uma música gospel genuinamente de qualidade. Precisamos mudar. Que tal esse processo começar hoje mesmo? Vamos investir na leitura?
Fonte: Maurício Soares  http://www.observatoriocristao.com

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